A Química dos Produtos Naturais

Desde os tempos mais remotos a humanidade utiliza diversos produtos encontrados na natureza. A busca por alívio e cura de doenças pela ingestão de ervas e folhas talvez tenha sido uma das primeiras formas de utilização dos produtos naturais. Seu uso na alimentação, medicina, controle de pragas, em mecanismos de defesa, na caça e mesmo ilícito faz parte da história do desenvolvimento das civilizações[1].

Indígenas usavam o urucu (Bixa orellana) – palavra de origem tupi que significa vermelho – para tingir o corpo; e o curare, um veneno natural, para produzir flechas envenenadas utilizadas na caça[2]. Na Idade Antiga, o veneno de Hemlock (Conium maculatum) era utilizado na execução de prisioneiros, inclusive Sócrates, durante o império Grego[3]. Lívia, a esposa do Imperador Romano Augusto, eliminava seus adversários políticos oferecendo banquetes temperados com beladona (Atropa belladonna), planta extremamente tóxica. A Rainha Cleópatra utilizava extratos de meimendro (Hyoscyamus niger), para dilatar suas pupilas e parecer mais sedutora aos seus rivais na corte[4].

Até o final do século XIX somente corantes naturais eram disponíveis, tornando esses produtos atraentes aos olhos dos colonizadores. O pau-brasil (Caesalpinia echinata), por exemplo – de onde era obtido um corante de cor vermelha, muito utilizado para o tingimento de roupas e como tinta de escrever – foi extraído de forma tão predatória que quase foi extinto do território brasileiro[1].

O conhecimento dos povos antigos e indígenas a respeito da natureza e a troca de experiências entre diferentes povos e culturas levaram ao desenvolvimento de estudos de produtos naturais e de pesquisas para encontrar os compostos químicos responsáveis pelas atividades biológicas observadas e/ou relatadas[1][3], abrindo espaço para o desenvolvimento fármacos utilizados pela medicina no tratamento, prevenção e cura de doenças.

Um marco de extrema importância no desenvolvimento de fármacos a partir de produtos naturais de plantas foi a descoberta dos salicilatos obtidos de Salix Alba, quando, em meados de 1757, o reverendo Edward Stone provou o sabor amargo das cascas do salgueiro, (S. alba), desencadeando, anos mais tarde, a busca por seu princípio ativo. Em 1828, no Instituto de Farmacologia de Munique, Johann A. Buchner isolou uma pequena quantidade de salicina (Figura 01, a). Em 1860, Hermann Kolbe e seus alunos sintetizaram o ácido salicílico (Figura 01, b) e seu sal sódico a partir do fenol[1]. Neste ponto você deve estar se perguntando: OK, mas afinal, o que são esses tais de salicilatos, dos quais nunca ouvi falar? Será mesmo?

Os salicilatos são uma classe  de compostos que possuem propriedades analgésicas e o mais famoso deles foi descoberto em 1898 quando Felix Hofmann estava pesquisando a cura para a artrite que afligia seu pai (que era sensível aos efeitos colaterais do salicilato de sódio). Estamos falando do ácido acetilsalicílico (AAS, Figura 01, c), cujas propriedades terapêuticas levaram os laboratórios de pesquisa da Bayer a elegerem o AAS como um novo produto a ser lançado no mercado para competir com os salicilatos naturais e, em 1899, patenteá-lo sob o nome de Aspirina®[5].

Figura 01: Fórmulas estruturais de salicilatos que marcaram o desenvolvimento de fármacos no período de 1800-1900:
a) salicina; b) ácido salicílico; c) ácido acetilsalicílico

Em Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história[6], os autores relatam que:

Hoje a aspirina é, entre todos os medicamentos, o mais utilizado para o tratamento de doenças e ferimentos. Há muito mais de 400 preparados contendo aspirina, e mais de 18 milhões de quilos de aspirina são produzidos nos Estados Unidos por ano. Além de aliviar a dor, baixar a temperatura do corpo e reduzir inflamações, a aspirina tem também a propriedade de afinar o sangue. Pequenas doses de aspirina vêm sendo recomendadas como prevenção contra derrames e a trombose venosa profunda, o mal conhecido como “a síndrome da classe econômica” entre os passageiros de viagens longas de avião.”

O ácido acetilsalicílico, mesmo sendo uma substância simples, é um dos melhores exemplos do que a natureza pode nos oferecer.

No século XIX, iniciou-se um estudo sistematizado sobre moléculas extraídas de plantas e a atividade biológica das mesmas[1]. Desde então, os estudos na área de Química de Produtos Naturais se tornou mais abundante, abordando compostos extraídos de plantas, organismos marinhos e fungos.

Buscando pela compreensão dos mecanismos de ação e o isolamento de princípios ativos, laboratórios pelo mundo todo buscam extrair dos organismos já citados, substâncias que podem ter algum uso na indústria farmacêutica, agrícola, dentre outras. Além da busca por substâncias que podem ser extraídas diretamente das plantas e postas em uso, há também o estudo da obtenção de compostos sintéticos – criados em laboratório – obtidos a partir dos extratos das plantas.

Para nos contar um pouco mais sobre a Química de Produtos Naturais e sua pesquisa, convidamos a Profª Drª Maria Helena Sarragiotto, graduada em Licenciatura em Química pela UEM (1976), mestre em Química pela Universidade Estadual de Campinas (1981) e doutora em Química pela Universidade Estadual de Campinas (1987). Atualmente, é professora titular da Universidade Estadual de Maringá[7].

Leia a entrevista com a Profª Maria Helena:

Qual é o objetivo da sua pesquisa?
Minha pesquisa é na área de Química de Produtos Naturais e tem como objetivo o estudo químico e de atividade biológica de plantas, visando o isolamento e caracterização de  produtos naturais bioativos.

De que forma a sua pesquisa pode contribuir para a sociedade?
Dentre as diversas contribuições da pesquisa em Produtos Naturais para a sociedade podemos destacar a de obtenção de compostos farmacologicamente ativos a partir de plantas medicinais ou, de outras fontes, como organismos marinhos, fungos e bactérias.  Diversos artigos mostram que a maioria dos medicamentos utilizados atualmente são produtos naturais ou derivados de produtos naturais. Substâncias naturais extraídas de plantas foram, ou vem sendo até hoje,  utilizadas como medicamentos, tais como  a morfina (potente analgésico), digitoxina (cardiotônico), vincristina (antitumoral), quinina e artemisinina (antimaláricos) e o taxol, um agente quimioterápico utilizado para tratamento de vários tipos de câncer. Assim, com o isolamento e avaliação da atividade biológica/farmacológica de metabólitos secundários de plantas, ou de outras fontes, podemos obter produtos que possam ser utilizados diretamente, ou como modelos para  novos fármacos.

O que te levou a escolher esta área?
Eu sempre tive interesse na área de Química Orgânica e a Química de Produtos Naturais trata-se de uma linha de pesquisa, de caráter multidisciplinar, importante e consolidada dessa área. Além disso, o Brasil possui uma imensa biodiversidade, com muitas espécies ainda não estudadas,  constituindo assim uma fonte de recursos naturais promissora para a busca de novas substâncias que possam ser utilizadas como fármacos.

 Algum professor influenciou a sua escolha?
Tive excelentes professores em todos os cursos, mas como falei anteriormente, a Química Orgânica sempre despertou meu interesse pelas suas aplicações e, com certeza, pelos  professores que ministraram as disciplinas desta área.

Um exemplo da pesquisa desenvolvida pela Profª Drª Maria Helena pode ser encontrado no artigo “Chemical Constituents, Antiproliferative and Antioxidant Activities of Vernonanthura nudiflora (Less.) H. Rob. Aerial Parts”, publicado no periódico Journal of the Brazilian Chemical Society. No trabalho em questão, foram investigadas as atividades antioxidantes e antiproliferativas contra células tumorais humanas da planta Vernonanthura nudiflora, da qual foram isolados os constituintes químicos de suas partes aéreas[8].

Além da Profª Drª Maria Helena, outros professores também fazem pesquisa na área de Química de Produtos Naturais na Universidade Estadual de Maringá, dentre eles a Profª Drª Debora Cristina Baldoqui, que trabalha em conjunto com a Profª Maria Helena, no Grupo de Síntese e Produtos Naturais (GSPN). Além delas, temos os Professores Dr Armando Mateus Pomini e Drª Silvana Maria de Oliveira que trabalha com Fitoquímica de Espécies do Cerrado e da Mata Atlântica  e Síntese de Derivados Nitrogenados de Produtos Naturais abundantes no grupo FitoSín.

REFERÊNCIAS
[1] VIEGAS JR, Cláudio; BOLZANI, Vanderlan da Silva; BARREIRO, Eliezer J. Os produtos naturais e a química medicinal moderna. Química Nova, v. 29, n. 2, p. 326-337, 2006.
[2] PINTO, Angelo C. O Brasil dos viajantes e dos exploradores e a química de produtos naturais brasileira. Química nova, v. 18, n. 6, p. 608-615, 1995.
[3] BESSA, Carliani Dal Piero Betzel. Estudo Químico e Biológico em alcaloides de Hippeastrum aulicum (KER GAWL.) HERB.: uma espécie da família Amaryllidaceae. Mestrado em Química – UFES. Vitória, 2015.
[4] DOS SANTOS, Cláudia Valle Cabral Dias. Avaliação do efeito dos extratos aquoso e metanólico oriundos de folhas da schninus terebinthifolius, raddi (aroeira) sobre culturas de esplenócitos de camundongos isogênicos balb/ce cba e sobre a bactéria corynebacterium pseudotuberculosis. Tese em Imunologia – UFBA. Salvador, 2010.
[5] PINTO, Angelo C. Alguns aspectos da história da aspirina. Instituto de Química, 2011.
[6] LE COUTEUR, Penny; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão. Tradução de Maria Luiza X. de, 2006.
[7] Maria Helena Sarragiotto, Currículo Lattes. Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/8448657508273652>. Acesso em: 04/05/2020.
[8] Anderson V. G. Ramos, Juliana L. B. Peixoto, Márcia R. P. Cabral, Ana Maria Amrein, Tatiana S. Tiuman, Solange M. Cottica, Ilza M. O. Souza, Ana Lucia T. G. Ruiz, Mary Ann Foglio, Marta R. B. Carmo, Maria Helena Sarragiotto, Debora C. Baldoqui.  Chemical Constituents, Antiproliferative and Antioxidant Activities of Vernonanthura nudiflora (Less.) H. Rob. Aerial Parts. J. Braz. Chem. Soc., Vol. 30, No. 8, 1728-1740, 2019.

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