Química Forense

Você já se perguntou como são identificados os corpos carbonizados, encontrados sem identificação, esquartejados, em rios, enterrados em locais com condições favoráveis à sua putrefação? Todos nós sabemos que um defunto não fala, não faz gestos, então qual o destino de uma vítima de homicídio que não pode revelar quem foi que a matou? Para que a justiça seja feita, existe toda uma ciência que pode atuar como “advogada” da vítima, por meio de métodos e condutas que evidenciam as provas judiciais.

As séries e documentários sobre investigação criminal despertam o interesse das pessoas para esse tema. Entretanto, é importante diferenciar ficção de realidade, visto que as conclusões obtidas nos casos reais são bem menos precisas do que nos programas que abordam esse tema. Mas, afinal, qual a área da ciência responsável por solucionar tais crimes hediondos? A Ciência Forense é a resposta. O termo forense deriva da palavra “fórum”, local onde são tratados assuntos da justiça [1].

A Ciência Forense é o conjunto de métodos e técnicas científicas aplicadas para a resolução de crimes. Essa área da ciência é dividida em subáreas: física, química, biologia, documentoscopia, fonética forense, informática, odontologia, engenharia legal, contabilidade, criminalística, medicina legal, psiquiatria, geologia e antropologia [2]. Além disso, as Ciências Forenses não se baseiam apenas em resolver crimes que envolvam mortes, outras violações da lei também são investigadas por profissionais dessa área. Alguns exemplos são adulteração de documentos, porte ilegal de armas, tráfico de drogas, crimes ambientais, crimes sexuais, entre outros [3].

Para compreender mais sobre a Química Forense, vamos embarcar em uma investigação policial e verificar como é a prática de um profissional dessa área.
Considere uma cena de crime onde ocorreu um assassinato e manchas de sangue foram encontras no local. Além do sangue da vítima, também pode ser encontrado sangue do agressor, visto que, se houve um envolvimento corporal este também pode ter se ferido. Com isso, uma análise de DNA pode ajudar a identificar o culpado. Essa análise apresenta vantagens sobre outras devido a estabilidade química do DNA que, mesmo após longos períodos de tempo, continua preservado. Além do sangue, outros materiais podem fornecer o DNA de uma pessoa, como por exemplo, sêmen, fragmentos de pele encontradas na unha da vítima, pelos com raiz, saliva, restos de cadáveres, músculos, ossos e polpa dentária [5].

Entretanto, nem sempre o criminoso deixa as provas à vista, ele pode limpá-las, mas caso não sejam utilizados produtos químicos de limpeza pesada, as provas ainda estarão lá, mesmo que não sejam visíveis a olho nu. Uma das técnicas mais conhecida para essa situação é o uso de luminol [Imagem 1], um reagente químico utilizado com a finalidade de identificar sangue em cenas de crime. Os peritos misturam o pó de luminol com um líquido que tenha peróxido de hidrogênio (H2O2) e outros produtos químicos. Em seguida, aplicam o líquido no local onde possa ter sangue usando um borrifador. O luminol e o peróxido de hidrogênio são os agentes principais da reação (que é lenta) e, para ser possível observar a quimioluminescência — processo no qual uma luz azulada fluorescente é emitida, podendo ser visualizada em um ambiente escuro — torna-se necessário a presença de um catalisador. O ferro contido na hemoglobina atua como catalisador, tornando possível a visualização do sangue na cena do crime. [Imagem 2]. [6] [7] [8] [9]

Imagem 1: Estrutura Química do Luminol e Imagem 2: Quimioluminescência do luminol em cena do crime

Outra maneira para descobrir o autor do crime está em suas próprias mãos: suas impressões digitais. Cada indivíduo possui impressões digitais únicas, possibilitando a identificação do possível assassino. A técnica mais antiga para obtê-las se baseia na absorção do vapor de iodo pelos compostos gordurosos do suor. O iodo sublima, ou seja, passa diretamente do estado sólido para o estado gasoso e, dessa forma, seus vapores reagem com a gordura do dedo, formando um composto marrom que, pode ser observado pelo investigador [10]. Entretanto, essa técnica tem algumas limitações e não é tão eficiente porque a reação do iodo com a gordura é reversível, ou seja, ela volta aos reagentes iniciais, tornando as impressões não visíveis de novo [4].

Dessa forma, uma alternativa mais eficiente seria usar a Técnica do Pó. Sua eficácia depende das características físico-químicas do “pó”, do tipo de instrumento utilizado e, principalmente, do cuidado e habilidade do perito que realiza a extração da impressão digital. Suas vantagens são: pode ser usada em qualquer superfície sendo absorvente ou não, fácil aplicação e possui baixo custo. Algumas composições químicas mais utilizadas nos pós são: óxidos de ferro, dióxido de manganês, óxido de titânio, carbonato de chumbo, entre outros [4]. Esse método consiste na aplicação de uma pequena quantidade de pó no local onde, provavelmente, tem impressões digitais. O pó adere sobre os compostos químicos, principalmente à água, presentes por meio de Ligação de Hidrogênio e de Forças de Van der Waals. Após as impressões digitais serem reveladas, elas passam por um processo chamado Dermatoglifia, um estudo que analisa os três desenhos encontrados nas impressões digitais: arco, presilha e verticilo [Imagem 3]. Como cada digital é única, os peritos conseguem identificar a quem ela pertence [11].

Imagem 03: Identificação das digitais

Outra forma de assassinato ou tentativa de assassinato é por meio do envenenamento. Essa é uma forma de assassinato muito comum, podemos observar isso em várias histórias, filmes, entre outros. Mas, falando nisso, você já ouviu falar de envenenamento por arsênio [Imagem 4]? O arsênio é um elemento químico presente no grupo 15 da tabela periódica, é encontrado de maneira natural na crosta terrestre na forma sólida e considerado um metal pesado. Esse elemento já foi, anteriormente, muito utilizado para o envenenamento criminoso, isso porque os sintomas do mesmo se assemelham muito aos da cólera. Mas, em 1836, o químico James Marsh desenvolveu a técnica Marsh, um método forense usado na identificação do arsênio até nos dias atuais. Essa técnica consiste na adição de zinco metálico e ácido sulfúrico (H2SO4) à uma mistura que tenha a suspeita da presença de arsênio. Se o arsênio estiver na forma de óxido (As2O3), o zinco atua como agente redutor, formando um composto chamado arsina (AsH3) [Reação 1]. [12]

6 Zn (s) + As2O3 (s) + 6 H2SO4 (aq) → 2 AsH3 (aq) + 6 ZnSO4 (aq) + 3 H2O (l) [Reação 1]

Imagem 04: Frasco com Arsênio

Após essa reação, a arsina pode ser submetida a alguns processos para determinar com precisão a presença de arsênio. Um dos procedimentos utilizados é submeter essa substância a um papel reativo de nitrato de prata (AgNO3), que resultará em um composto intermediário de cor amarela [Reação 2] e em uma segunda etapa em um composto mais escuro, onde ocorre a redução da prata metálica [Reação 3]. Para realizar a identificação, os métodos mais confiáveis e utilizados são a espectrometria de massas e a cromatografia devido sua alta sensibilidade, sendo possível detectar rastros do elemento. [12]

AsH3 (aq) + AgNO3 (aq) + 3 HN3 (aq) → AsAg3.3AgNO3 (s) [Reação 2]

AsAg3.3AgNO3 (s) + 3 H2O (l) → H3AsO3 (s) + 6Ag(s) [Reação 3]

De forma geral, foi possível conhecer algumas das técnicas que dão, de certa forma, voz às vítimas que não podem se defender. A Química Forense é de suma importância para a humanidade, está em desenvolvimento constante e, por ser uma área da química que trabalha de maneira interdisciplinar, necessita de pesquisas, estudos aprofundados, além de muito investimento e dedicação.

REFERÊNCIAS:

[1] SILVA, Priscila Sabino; ROSA, Mauricio Ferreira. Utilização da Ciência Forense do seriado CSI no ensino de Química. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 6, núm. 3, p. 148-160, 2013.
Disponível em: < https://periodicos.utfpr.edu.br/rbect/article/view/1478 >. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
[2] FACHONE, Patrícia; VELHO, Léa. Ciência Forense: Interseção Justiça, Ciência e Tecnologia. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 3, n. 4, p. 139-161, 2007. Disponível em: < https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/2498/1612 >. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
[3] GONZAGA, Wellington Alves. Química forense: a química que soluciona crimes para a polícia judiciária. Revista Jus Navigandi, ano 22, n. 5042, 21 abr. 2017. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/55192 > . Acesso em: 10 de outubro de. 2020.
[4] NEGRETE, Eliza Jara. El Valor de la Química Forense en la Investigación Criminal. Revista Ecuatoriana de Medicina Y Ciencias Biológicas 36, p. 25-31, 2015. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/321278299_EL_VALOR_DE_LA_QUIMICA_FORENSE_EN_LA_INVESTIGACION_CRIMINAL . Acesso em: 07 de outubro de 2020.
[5] LIMA, A.S.; SANTOS, L.G.P; et al. Química Forense. Portal Unisepe, 2018. Disponível em: <https://portal.unisepe.com.br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2018/06/11qui_forense.pdf Disponível em: . Acesso em:09 de outubro de 2020.
[6] APLICAÇÃO FORENSE DO LUMINOL – UMA REVISÃO. Disponível em:
http://revistacml.com.br/wp-content/uploads/2018/04/RCML-2-04.pdf Acesso em: 15 de outubro de 2020.
[7] FUNCIONAMENTO DO LUMINOL E SUA UTILIZAÇÃO PARA A IDENTIFICAÇÃO DE SANGUE LATENTE. Disponível em:
http://www.uniararas.br/revistacientifica/_documentos/art.007-2018.pdf Acesso em: 15 de outubro de 2020.
[8] BADÔ, Fernando. Como funciona o luminol? Super Interessante, abril de 2011. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-funciona-o-luminol/ Acesso em: 5 de novembro de 2020.
[9] LUMINOL- O que é. Portal São Francisco. Disponível em: https://www.portalsaofrancisco.com.br/quimica/luminol. Acesso em 5 de novembro de 2020.
[10] MODESTO, C.J.S.; CARVALHO, H.L; et al. Revelação de Digitais Através do Iodo para Alunos Terceiro Ano do Ensino Médio. 57º Congresso Brasileiro de Química, Gramado/ RS, 23 a 27 de outubro de 2017.
Disponível em: http://www.abq.org.br/cbq/2017/trabalhos/6/12510-24756.html. Acesso em: 08 de outubro de 2020.
[11] CHEMELLO, E. Ciência Forense: Impressões Digitais. Química Virtual, dezembro de 2006. Disponível em: < http://www.quimica.net/emiliano/artigos/2006dez_forense1.pdf > . Acesso em: 07 de novembro de 2020.
[12] MOTA, Leandro; DI VITTA, Patrícia Busko. QUÍMICA FORENSE: UTILIZANDO MÉTODOS ANALÍTICOS EM FAVOR DO PODER JUDICIÁRIO. Disponível em: <http://www.revista.oswaldocruz.br/Content/pdf>Disponível em: . Acesso em: 08 de fevereiro de 2021.

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