CONSERVANTES: Heróis ou Vilões?

Você já ouviu frases do tipo: “isso tem muita química” ou “isso é puro conservante”? É provável que sim, pois ainda há uma cultura depreciativa quando o assunto é a química dos conservantes. Mas antes de falar sobre isso, pense alguns segundos em relação à sua necessidade, o porquê e onde é utilizado, seus possíveis riscos e atribuições dos conservantes em geral. Dessa maneira já atribuímos dois termos a serem conceituados nessa conversa: a química e o conservante de fato.

Vamos refletir sobre como era a rotina alimentar de nossos antepassados, acerca de 2,7 milhões de anos atrás até 10.000 a.C, uma datação bem variada que fez um marco na história, o período paleolítico (descoberta do fogo), os seres humanos começaram os primeiros passos no desenvolvimento da conservação da comida. Deixando de caçarem animais somente na hora de comer, com o passar do tempo, perceberam que se cozinhassem o alimento. ele demoraria mais para estragar e, assim, o fogo possibilitou um método de conservação, defumando o alimento para que a fumaça agisse como bactericida. A partir desse momento, a pecuária e a agricultura se desenvolveram, e de tempos em tempos, com essa ideia e necessidade prevalecidas os métodos foram crescendo e adquirindo cada vez mais aperfeiçoamentos e estudos. [1] Em comparação com este período, nos dias atuais percebe-se uma grande evolução nas tecnologias de conservação. Podemos, por exemplo, ir até um supermercado e encontrar diversos alimentos com dias, semanas, meses ou, até mesmo, mais de um ano de validade.[1]

Com certeza você já ouviu alguém ou você já disse coisas do tipo: aquele enlatado tem muita química, faz mal; não é bom porque tem química, entre outros comentários relacionados. Pois bem, a química existe em tudo que se possa imaginar: no morango sem o acréscimo de agrotóxicos, sim, ele tem química; no enlatado de pêssego, sim, ele tem química. Agora basta entender que química de modo geral está ligada às reações que formam produtos, aos elementos que compõem os alimentos: é o estudo da matéria, suas propriedades e transformações, o que inclui os conservantes. [2]

Conservantes ou aditivos alimentares são substâncias naturais ou sintéticas que propositalmente são adicionados com a finalidade de aumentar a vida útil dos alimentos, aprimorar ou modificar as propriedades de um produto, considerando sua aparência, sabor ou estrutura, desde que os valores nutricionais não sejam prejudicados. [3] Apesar dos avanços que estão sendo introduzidos às tecnologias de produção, distribuição, padrões de higiene e educação de consumo nas últimas décadas, a intoxicação alimentar ainda continua aumentando na maioria dos países. [4]

A qualidade dos produtos em geral diminuem com o tempo em que foram colhidos até serem consumidos, essa perda está relacionada com mudanças microbiológicas enzimáticas, químicas ou físicas, consequentemente agregam alguns perigos para o consumidor como, por exemplo, mudanças microbiológicas com a presença de toxinas microbianas ou microorganismos patogênicos, crescimentos de microorganismo deteriorantes que resultam em odores, variação de sabor, textura e descoloração [5]. Esses microorganismo podem ser manipulados com algumas técnicas: [4]

Temperatura baixa – O método mais comum de preservação para quase todos os gêneros alimentícios é diminuindo a temperatura. À medida que a temperatura do armazenamento de alimentos é reduzida, as taxas de crescimento são reduzidas e menos tipos de microorganismos são capazes de se reproduzir. [4]

Redução da atividade da água – A água presente em alimentos que não está ligada a moléculas alimentares suporta o crescimento de bactérias, leveduras e bolores. O termo “atividade da água” refere-se a esta água não ligada [6]. A redução da atividade da água pode ser feita através da adição de sal, pela adição de açúcar ou pela secagem. [4]

Acidificação – Alimentos com valores de pH em torno do neutro (entre 6,5 e 7,5) são mais favoráveis para o crescimento da maioria dos microrganismos em relação aos alimentos mais ácidos. Dessa forma, um dos métodos para conservar o alimento é deixando-o mais ácido. [4]

Calor – atua de maneira agressiva contra os microrganismos com o aumento da temperatura, desnaturando as proteínas e inativando as enzimas que favorecem o metabolismo microbiano, mas esse método não é duradouro, ou seja,  o alimento está sujeito a contaminação. [4]

Aditivos antimicrobianos: geralmente são utilizados com uma ou mais combinações nos processos de conservação cujo alvo é direcionado aos microrganismos os patogênicos [4]

Há uma grande controvérsia sobre o emprego de aditivos, entre sua necessidade e a segurança de seu uso. Por um lado, a utilização de aditivos traz grandes benefícios para a conservação do alimento, porém existe a constante preocupação quanto aos riscos toxicológicos dessas substâncias químicas. [7]

Em consequência, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem como uma de suas funções a de fiscalização e o estabelecimento de quais aditivos são permitidos para as diferentes categorias de alimentos e em que funções e limites máximos de uso, fundamentadas em critérios apoiados em regulamentações e sugestões emitidas a nível mundial por comitês de especialistas da OMS (Organização Mundial da Saúde) e  da FAO (Organização para Alimentação e Agricultura ), dentre outros. [7]

Dessa forma, considerando referências internacionalmente reconhecidas, como o Codex Alimentarius, a União Européia e, de forma complementar, a FDA (U.S. Food and Drug Administration),  cada substância a ser utilizada como aditivo alimentar passa por um processo regulatório, que verifica a segurança de uso, a necessidade e o limite utilizado para cada tipo de alimento. A autorização de um aditivo não significa que este pode ser utilizado em todos os alimentos. Somente poderá ser utilizado se estiver previsto no Regulamento Técnico específico para a categoria de alimentos correspondente. De acordo com o avanço do conhecimento científico e tecnológico, a legislação está sujeita a constantes atualizações, visando à proteção da saúde da população. [8]

A Anvisa estabelece em quais casos o uso de aditivos em alimentos é proibido: [8]

– Houver evidências de que o mesmo não é seguro para consumo pelo homem;

– Se interferir sensível e desfavoravelmente no valor nutritivo do alimento;

– Servir para encobrir falhas no processamento e/ou nas técnicas de manipulação;

– Encobrir alteração ou adulteração da matéria-prima ou do produto já elaborado;

– Induzir o consumidor a erro, engano ou confusão;

– Quando não estiver autorizado por legislação específica.

No portal da Anvisa, é possível consultar os aditivos e a quantidade permitida para cada categoria de alimento.

Abaixo, estão alguns dos aditivos alimentares mais conhecidos e aplicados na indústria alimentícia.

Ácido sórbico: obtido a partir de bagas de tramazeiras (Sorbus aucuparia) ou sintetizado quimicamente, o ácido sórbico é um ácido carboxílico não saturado, frequentemente usado como conservante de alimentos, que tem a vantagem de não ter odor ou sabor quando utilizado na concentração apropriada. A atividade antimicrobiana do ácido sórbico é eficaz contra leveduras, fungos e bactérias mais fracas. Este aditivo pode ser utilizado em muitos produtos alimentares, como em bebidas (sucos de frutas, vinho e sidra), queijos, frutas e legumes em conserva ou cristalizadas, azeitonas, geleias, nozes, margarinas, produtos de carne, molhos, produtos à base de peixe e ovos, camarão cozido, goma de mascar, produtos lácteos aromatizados, doces e xaropes. Considerando as quantidades reguladas pela Anvisa, o ácido sórbico, não apresenta efeitos colaterais. No entanto, foram descritas possíveis alergias na pele, geralmente visível sob a forma de urticária. [3]

figura 01: Ácido sórbico

           Ácido benzóico: o ácido benzóico é encontrado na natureza, como glicosídeo, em algumas frutas (como mirtilos e ameixas) e especiarias (como canela e cravo). Porém, é principalmente obtido através de sínteses. A ação antimicrobiana prevalece em leveduras e fungos e, em menor grau, em bactérias. É utilizados principalmente em bebidas, como em refrigerantes, xaropes e cerveja sem álcool. Também pode ser aplicado em frutas e legumes em conserva ou cristalizados, marmelada, geleias (com pouco açúcar ou sem adição de açúcar), confeitaria, produtos à base de peixe e ovos, camarão cozido, molhos, saladas preparadas, condimentos e especiarias e beterraba cozida. Estudos indicam que, utilizado em concentrações elevadas, o ácido benzóico pode provocar reações alérgicas (especialmente em pessoas que tomam medicamentos inflamatórios ou que sofrem de asma ou urticária), desordens de natureza neurológica (como a hipercinesia) e irritações gástricas. [3] 

           Ácido acético: o vinagre é popularmente conhecido como um bom conservante. O ácido acético, componente mais importante do vinagre, que é responsável por esta característica. Este ácido carboxílico tem sido utilizado como aditivo alimentar por Inibir o desenvolvimento de leveduras, bactérias e fungos. Alguns acetatos (de sódio, potássio e cálcio) derivados do ácido acético também são muito utilizados como aditivos.  Como conservantes, esses aditivos possuem uma vasta gama de aplicações, incluindo mostarda, molho vinagrete, conservas de frutas e vegetais, peixe enlatado, pão, queijo mussarela e requeijão, pudins instantâneos e comida para bebê. O ácido acético ou os acetatos não mostram efeitos colaterais. [3]

Figura 03: Ácido acético

Nitrito de potássio: o nitrito de potássio é uma substância inorgânica de origem sintética, porém existem na natureza como minerais. Muito utilizado para a conservação de alimentos na indústria agroalimentar relacionados à carne, como presuntos, mortadelas, salsichas, bacon etc. Além disso, também são frequentemente usados durante a cura da carne, para obter a cor típica da carne curada. Em relação aos efeitos colaterais, o nitrito de potássio, por meio de várias reações químicas, pode resultar na formação de nitrosaminas, que por sua vez, são substâncias genotóxicas carcinógenos [9]. Porém o nitrito de potássio é essencial para a conservação dos alimentos, e de forma controlada, seu uso também não apresenta riscos à saúde.  [3]

Agora você pode entender o verdadeiro conceito de conservantes, o que ele realmente é e as suas necessidades de uso, com esse métodos e aplicações é possível o transporte de alimentos para o mundo todo. Como nos exemplos apontados, o uso de aditivos não oferecem grandes riscos para a saúde pública, porém é necessário uma rigorosa fiscalização para que os mesmos sejam aplicados em quantidades regularizadas. Com relação ao preconceito com a química, vimos que ela, assim como a ciência como um todo, é fundamental para garantir que chegue comida ao máximo de pessoas. “Para mantermos a vanguarda na produção agropecuária mundial, é necessário continuar os investimentos nas áreas de ciência e tecnologia; se reduzirmos os investimentos na pesquisa, as inovações na produção serão estancadas, o que fará com que o setor perca sua competitividade no médio e longo prazo, reduzindo a produção e ameaçando, ao mesmo tempo, a segurança alimentar”. [10]

REFERÊNCIAS:

[1] Revista Aventuras na História. ed. 86 – Set. 2010 – por Daniel Cardoso. <http://histoblogsu.blogspot.com/2010/10/conservantes.html. Acesso em 01/06/2020.

[2] Química, o que é química. <http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/4083-qu%C3%ADmicahttps://www.instituto-camoes.pt/images/stories/tecnicas_comunicacao_em_portugues/Quimica/Quimica%20-%20O%20que%20e%20a%20Quimica.pdf>. Acesso em 01/06/2020.

[3] Food preservatives – An overview on applications and side effects <http://www.ejfa.me/index.php/journal/article/view/1049/769>. Acesso em 24/05/2020.

[4]  Food Microbiology: Fundamentals and Frontiers, Third Edition. <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=HMaJcmeEFgUC&oi=fnd&pg=PA1&dq=preservatives+&ots=kYSWe-CboE&sig=tpGd3K199JPt8MXgBDU66gid2O4#v=onepage&q=preservatives&f=false>. Acesso em 25/05/2020.

[5] Chapter 30 : Chemical Preservatives and Natural Antimicrobial Compounds. <https://www.asmscience.org/content/book/10.1128/9781555818463.chap>. Acesso em 24/05/2020.

[6] NOTÍCIAS – O QUE É A ATIVIDADE DA ÁGUA?. <https://www.ambifood.com/pt/noticias/o-que-e-a-atividade-da-agua/>. Acesso em 26/05/2020.

[7] Aditivos Alimentares e Coadjuvantes de Tecnologia. <http://portal.anvisa.gov.br/alimentos/aditivos-alimentares>. Acesso em 02/06/2020.

[8]Portal Anvisa. <http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/aditivos-alimentares/33916/pop_up?_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_viewMode=print&_101_INSTANCE_FXrpx9qY7FbU_languageId=pt_BR>. Acesso em 02/06/2020.

[9]  Risks and Benefits of Food Additives – Review.<https://www.researchgate.net/publication/329705114_Risks_and_Benefits_of_Food_Additives_-_Review>. Acesso em 23/05/2020.

[10] INVESTIMENTO EM CIÊNCIA É CHAVE PARA REDUZIR A FOME E AUMENTAR A SEGURANÇA ALIMENTAR. <http://www.comciencia.br/investimento-em-ciencia-e-chave-para-reduzir-fome-e-aumentar-seguranca-alimentar/?fbclid=IwAR1jJgy7iYZfVCYJmwtxvL8avkXDlDwnkhgj6ltyDz8qW40C2z1NQJpE11Q>. Acesso em 04/06/2020.

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