CURIOSIDADES DA QUÍMICA NA COZINHA

A necessidade de conhecermos a química é, cada vez mais, uma forma interessante para entendermos a sua importância no dia a dia. No nosso cotidiano, muitas transformações físicas e químicas acontecem de forma habitual que nem ao menos percebemos o porquê que estes fenômenos ocorrem. Na cozinha não seria diferente, segundo o professor Emiliano Chemello, graduado em química pela Universidade de Caxias do Sul  (UCS):

“Da mesma forma que um químico, o cozinheiro segue receitas, faz ajustes, transforma os ingredientes com aquecimento e ação mecânica” [1].

Partindo deste pensamento, nesse texto iremos apresentar algumas curiosidades a respeito da Química e do ato de cozinhar, envolvendo a composição dos alimentos, o seu preparo, manuseio e consumo. Para início de conversa, vamos compreender as diferenças entre algumas moléculas comuns aos alimentos que consumimos.

Qual a diferença entre a margarina e a manteiga?

Tanto a margarina como a manteiga representam o mesmo grupo de macronutrientes, os lipídios. Nos alimentos, os lipídios apresentam um grande papel nutricional, são fonte de calorias e ajudam no transporte de vitaminas lipossolúveis. Existem diversas classes de lipídios, porém falaremos do mais conhecido, o triglicerídeo [2].

Os triglicerídeos, ou trigliceróis, compõem os óleos e as gorduras de origem vegetal e, apesar de ambos serem comumente usados como sinônimos, os óleos e as gorduras são distintos quanto ao estado físico em temperatura ambiente, sendo os óleos líquidos e as gorduras sólidas. Apesar disso, ambos apresentam estruturas muito parecidas, sendo formadas por Glicerol (um tríalcool) e três moléculas de ácidos graxos (AG)[2].

Figura 1: Formação do Triglicerídeo
Fonte: Elaboração própria

O que causa discrepância no estado físico são as ligações formadas entre os átomos, onde os óleos possuem mais ligações insaturadas e as gorduras possuem apenas ligações saturadas [2]

Figura 2: Estrutura das gorduras (esquerda) e estrutura da margarina (direita).
Fonte: LEHNINGER, A.L.; NELSON, D.L.; COX, M.M. Princípios de Bioquímica. 2. ed. São Paulo: Sarvier, 2000. 359p.

Até agora vimos algumas características desse grupo de alimentos, mas afinal, qual é a diferença entre a margarina e a manteiga? A margarina é feita com óleos de origem vegetal e a manteiga é feita com gorduras de origem animal. Além disso, por se tratar de um óleo, a margarina passa por um processo de hidrogenação para que parte das suas insaturações sejam quebradas, dando uma textura mais firme ao produto. Quanto aos danos à saúde do consumidor, existem diversos estudos que mostram os perigos dos triglicerídeos saturados, que estão ligados, principalmente, a problemas cardíacos e circulatórios. Portanto, por apresentar menor quantidade de ligações saturadas, a margarina hoje é tida como a opção mais saudável [3].

Por que as substâncias possuem diferentes pontos de fusão e ebulição?

Você já tentou “derreter” o sal puro na panela? Você conseguiu? Por incrível que pareça, o sal de cozinha passa do estado sólido para o líquido à 801 °C, diferentemente da água, por exemplo, que possui ponto de fusão em 0° C. A temperatura do ponto de fusão e ebulição das substâncias estão diretamente relacionadas com o tipo de ligação química que seus átomos realizam, podendo ser ligações covalentes, metálicas ou interações iônicas [4]. Os compostos covalentes, como a água, possuem ponto de fusão e ebulição relativamente mais baixos quando comparados aos compostos iônicos, como o sal de cozinha (NaCl), pelo fato de que a ligação iônica é formada por íons com diferentes cargas elétricas. Esses íons, por sua vez, são dispostos geometricamente em uma rede cristalina necessitando, assim, mais energia para que ocorra a quebra das interações iônicas e, posteriormente, a mudança dos estados físicos destes compostos. Isso explica a discrepância nos valores de ponto de fusão e ebulição dos compostos covalentes e iônicos [4].

Outro ponto interessante é o porquê adicionamos sal para manter as bebidas geladas. O sal, quando adicionado no gelo, diminui a temperatura de fusão da água, ocasionando o derretimento do gelo. Entretanto, como a água em seu estado líquido conduz mais calor que ela em seu estado sólido, as bebidas são geladas mais rapidamente [5]. Além disso, o líquido resultante da mistura de gelo e sal está a uma temperatura abaixo de 0° C [5]

Por que a panela queima quando o gás está acabando?

O gás liquefeito de petróleo (GLP), gás habitualmente utilizado na cozinha, possui, em grande parte da composição, dois hidrocarbonetos, o propano (C3H8) e butano (C4H10) [6]. Porém, também é encontrado, em pequenas quantidades, o pentano (C5H12) que, por ser mais denso e menos volátil que os outros dois hidrocarbonetos, se mantém ao fundo do botijão [6]. Portanto -quando o gás está acabando, o pentano- é arrastado para queimar-se. Mas de onde vem aquela fuligem presente no fundo da panela? A fuligem, quimicamente falando, é um produto da reação da combustão incompleta, essa que ocorre quando há a falta de oxigênio durante a combustão. Essa combustão incompleta  pode formar monóxido de carbono (CO) e água ou fuligem (C) e água [7]. O pentano, por possuir cinco carbonos, precisa de mais oxigênio para que a combustão completa ocorra. Como o oxigênio atmosférico não consegue suprir essa demanda, a combustão acaba sendo incompleta, o que ocasiona a mancha de fuligem no fundo da panela [6]

Reação de combustão incompleta do pentano: 2 C5H12(g) + 6 O2(g) → 10 C(g) + 12 H2O(g) 

Por que o fermento faz crescer?

O fermento está presente a bastante tempo na vida dos seres humanos. As primeiras informações a respeito do  fermento natural remetem a 3700 a.C e já mostravam a comercialização dessas leveduras, principalmente, para a produção do pão. Com a industrialização, foram criadas opções mais rápidas visando acelerar tanto a produção do pão como de outros alimentos. A fermentação biológica e a fermentação química são as que usamos atualmente, mesmo que funcionem de maneira similar, os dois tipos de fermentação são compostos por substâncias diferentes [8].

O fermento biológico é composto por seres unicelulares, denominados leveduras, que se alimentam de glicose (C6H12O6) apenas em temperaturas entre 30°C e 50°C [9]. Por conta disso, o fermento biológico deve ser mantido em baixas temperaturas, onde as leveduras ficam inativas. Quando adicionamos o fermento à massa em temperatura ambiente, as leveduras começam a trabalhar e, neste momento, secretam enzimas que quebram as ligações entre a glicose e as outras substâncias presentes na massa e, após o consumo e digestão da glicose, as leveduras liberam etanol (que é evaporado quando a massa é colocada no forno) e gás carbônico (CO2) que é o principal responsável pelo aumento no tamanho da massa. Outro ponto importante é que essas leveduras só se alimentam em temperaturas de até 55°C, portanto para que a massa cresça deve ser deixada em repouso antes de ser aquecida[9].

Reação do fermento biológico: C6H12O6 (s) + enzima ⟶ 2 C2H5OH (l) + 2 CO2 (g)

O fermento químico, por sua vez, é composto, principalmente, por bicarbonato de sódio (NaHCO3) que, ao ser aquecido, decompõe-se formando água (H2O), carbonato de sódio (Na2CO3) e gás carbônico (CO2). O aumento do volume da massa, assim como no fermento biológico, se dá pela formação do gás carbônico [9].

Reação do fermento químico: 2 NaHCO3 (g) ⟶ Na2CO3 (g) + H2O (g) + CO2 (g)

Qual é a diferença entre os açúcares?

Existem diversos tipos de açúcar como, por exemplo, o açúcar demerara, refinado, mascavo, cristal, orgânico e VHP. 

O açúcar demerara passa por um leve processo de refinamento e não recebe nenhum aditivo químico, o que explica a coloração marrom-clara e grãos grandes. Possui altos valores nutricionais [11].

O açúcar refinado é o mais conhecido entre os açúcares, porém é um dos menos saudáveis. Durante o processo de refinamento, alguns aditivos químicos são adicionados para dar a coloração branca, ocasionando na perda de algumas vitaminas e sais minerais [10].

O açúcar mascavo é o açúcar em sua forma bruta, extraído depois do cozimento do caldo-de-cana. Como não passa por refinamento, o cálcio, ferro e os sais minerais são preservados, além da coloração mais escura e sabor mais encorpado, semelhante ao da cana-de-açúcar. Ele é o tipo de açúcar menos solúvel [11].

O açúcar cristal possui cristais grandes e difíceis de serem dissolvidos em água. Mesmo que muito utilizado na culinária, cerca de 90% das vitaminas e minerais são retiradas no processo de refinamento [11].

Já no açúcar orgânico não são adicionados ingredientes artificiais em sua composição. Assim como o açúcar mascavo, ele não passa pelo processo de refinamento, por isso também é mais escuro [10].

O açúcar Very High Polarization (VHP) é o tipo mais exportado pelo Brasil. Possui cristais mais amarelados que o açúcar demerara. No seu processo de branqueamento, não há a utilização de anidrido sulfuroso [12].

Figura 3: Diferença nos tamanhos e coloração dos grãos de açúcar. Em ordem: (A) Cristal; (B) demerara; (C)  VHP; (D)  refinado; (E)  mascavo e; (F) orgânico.
Fonte: https://betaeq.com.br/index.php/2019/10/14/a-producao-de-acucar/

Alimentos transgênicos

Alimentos transgênicos ou geneticamente modificados sempre foram alvo de muita discussão, tanto em questões éticas, financeiras e até sociais, por modificarem a estrutura natural das plantas[13].

A partir desse processo, onde são inseridos genes de outras plantas da mesma espécie ou até mesmo de espécies diferentes, é possível que haja aumento na produtividade, resistência e potencial energético do fornecido ao ser consumido [14]. O plantio desse tipo de cultura é muito polêmico, sendo proibido em alguns países do mundo como o Japão. Já no Brasil, ele é permitido e grande parte da produção tanto de soja como de milho são de grãos transgênicos, fazendo com que o país seja o segundo no mundo que mais utiliza esse método [14]. Tanto aqui como na Europa, os alimentos que apresentam mais de 1% de elementos com essa característica em sua composição devem ter um “T” com contorno amarelo informando sua origem ao consumidor [13].

Figura 4: embalagem de produto transgênico.
Fonte: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/01/11/sob-polemica-avanca-
projeto-que-flexibiliza-rotulagem-de-transgenico

A arte de cozinhar, em sua essência, vai muito além de misturar ingredientes, cozer e ingerir. Por trás de cada receita, há diversos ingredientes com suas próprias composições químicas. Assim como na química quantitativa, é necessário quantidades exatas para o preparo de cada receita. Isso nos prova, cada vez mais, que a química se faz presente em tudo que engloba o mundo microscópico e macroscópico, basta apenas atentarmos  em nosso redor.

Referências

[1] Química na cozinha. Disponível em: <http://jaieqm.blogspot.com/2012/05/quimicanacozinha.html&gt; Acesso em 22 de junho de 2020.

[2] Lipídios. Disponível em: <http://www.fcfar.unesp.br/alimentos/bioquimica/introducao_lipidios/introducao_lipidios.htm&gt;. Acesso em 22 de junho de 2020.

[3] Margarina ou manteiga. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2017/09/04/margarina-ou-manteiga-veja-qual-a-escolha-mais-saudavel.htm&gt;. Acesso em 22 de junho de 2020.

[4] Atkins, P. W.; Shriver, D. F. Inorganic Chemistry, [S.l]: Bookman. 3° ed., 2003

[5] Por que o sal faz o gelo derreter? Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/vocesabia-por-que-o-sal-faz-o-gelo-derreter,8655398bedbbb369f5f16c7cf95bd1c167t38fae.html&gt;. Acesso em 22 de junho de 2020.

[6] Cozinha: Tire as suas dúvidas. Disponível em: <https://www.profpc.com.br/Qu%C3%ADmica%20na%20Cozinha/Tire_sua_d%C3%BAvida.htm#Panela_sujou_O_g%C3%A1s_est%C3%A1_acabando!&gt;. Acesso em 23 de junho de 2020.

[7] Combustão. Disponível em: <http://www.usp.br/qambiental/combustao_energia.html#combustão&gt;. Acesso em 23 de junho de 2020.

[8] Fermento Natural. Disponível em: <https://amopaocaseiro.com.br/ fermento-natural/>. Acesso em 23 de junho de 2020.

[9] Fermento biológico e químico. Disponível em: <https://alunosonline.uol.com.br/quimica/diferenca-entre-fermento-biologico-fermentoquimico.html&gt;. Acesso em 23 de Junho de 2020.

[10] Açúcar refinado, mascavo ou demerara. Disponível em: <https://lunetas.com.br/saiba-diferenciaros-tipos-de-acucares-e-escolher-o-mais-saudavel/&gt;. Acesso em 23 de junho de 2020.

[11] Tipos de açúcar. Disponível em: <https://saboreiaavida.nestle.pt/bem-estar/tiposacucar#gs.96f1bv&gt;. Acesso em 23 de Junho de 2020.

[12] A produção de açúcar. Disponível em: <https://betaeq.com.br/index.php/2019/10/14/a-producao-de-acucar/&gt;. Acesso em 23 de junho de 2020

[13] Alimentos Transgênicos. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/alimentostransgenicos&gt;. Acesso em 23 de Junho de 2020.

[14] Informações sobre Transgênicos. Disponível em: <https://idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/saiba-o-que-sao-os-alimentos-transgenicos-e-quais-os-seus-riscos&gt;. Acesso em 23 de Junho de 2020.

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